quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Ensaio Sobre a Cegueira, o filme

“Fernando, parabéns pela coragem de tentar adaptar o livro de Saramago.” Esta seria a frase mais otimista que teria para dizer ao grande diretor Fernando Meirelles se o conhecesse. Porque é preciso muita coragem para tentar traduzir em recursos áudio visuais a literatura de José Saramago. O risco de ficar na tentativa é imenso. Metáforas, aliterações, metonímias em linguagem escrita podem ser substituídas pelas cores, enquadramentos de câmeras e trilha sonora do cinema? Até hoje eu estava certo que sim. Mas o que aconteceu naquela sala de cinema para um Diretor de Arte como eu sair em crise com o mundo das imagens? Livro versus filme, palavra versus imagem, Saramago versus Meirelles. Ambos sabem como ninguém contar uma estória. Eu amo cinema, por que sai decepcionado? Será que José é melhor como escritor do que Fernando como cineasta?

O filme é a versão “light” do livro.

Talvez seja isso. Será que as limitações impostas por questões comerciais arruinaram a fita? O inferno que minha mente criou ao ler o texto original foi infinitamente pior ao que vi na tela. Se tivessem dado liberdade total para o Fernando o resultado seria outro? Vou mais longe: se tivessem dado a direção para um diretor mais contundente como Claudio Assis, por exemplo, eu estaria mais satisfeito?

Não quero ser mal interpretado, o filme é bom. Logo no inicio a sensação de flashes de cegueira transmitida pelos reflexos no pára-brisa do carro é sensacional. As soluções de fotografia do Cesar Charlone são muito boas. Mas não sei... faltou alguma coisa.

Uma imagem vale mais que mil palavras? Fica ai a pergunta.

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Te daria meu coração, se tivesse um.

Sobram pernas, braços, bíceps na televisão. Apolos pulam, nadam, lutam, mas não conseguem sair da caixa. É a magia do espírito olímpico, ou a maldição de Nikola Tesla.

Cem olhos se fixam na pequena tela. Brancos, negros, amarelos, todos correm. De quem correm?

Eu sei de quem corro. Sei que não vou vencer. Meus passos são gigantes, faço da Terra a Júpiter em menos de um segundo (quem já me viu olhando para o nada sabe que é verdade). Voltas e voltas na Via Láctea e minha pálida mão me esperando, sempre, no final. Sou obrigado a me olhar nos olhos, não existe revezamento. Estou condenado a um empate infinito num espelho que existe só para me devorar.

Empatar, em alguns casos, é pior que perder.

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

NOME PRÓPRIO, o filme

Na primeira cena o filme já diz a que veio. Pelo menos no quesito intensidade. Nada mais justo, vida intensa, filme intenso. E por ai sai Camila, a protagonista, que te pega pelas mãos e te leva para um mergulho vertiginoso na sua pouco convencional vida. As câmeras do Murilo Salles vão atrás e o olhar maduro do diretor intercala crueza e poesia. Não li o livro da Clarah Averbuck, então não posso estabelecer relações entre o original e a fita, mas o filme é muito bom (e tive o privilegio de dizer isso pessoalmente ao diretor). Mas vou mais longe: Nome Próprio é o retrato de uma geração: lembrei de vários jovens autores brasileiros e de seus personagens. Vieram a minha mente o desiludido Felipe (do Flávio Izhaki), a borderline Lorena e o solitário Miguel (do Santiago Nazarian). E se minha cultura fosse maior, provavelmente encontraria mais referências. O filme é sobre busca, e enquanto esperamos o resultado da epopéia podemos ver a Leandra Leal traindo, transando, vomitando. Mas também podemos ver o pôr-do-sol refletido numa pequena janela no cantinho da tela. Poesia para os olhares atentos ou nudez escancarada, você escolhe. Só não escolha não assistir Nome Próprio.

sexta-feira, 25 de julho de 2008

Anjos atônitos.

Meus sonhos têm devorado quilômetros do meu sono. Castigo ácido sobre pétalas doces, beijo lilás que não pude negar. Lábios e noites não me pertencem mais. Perdi meu dia para o invisível. Não importa quanto Chanel use, minha alma está doente e seu perfume me acompanha num denso cortejo fúnebre, sem flores, sem cores. Na rua, os vivos esquivaram o pobre mendigo da Rua São Clemente. No sinal, os anjos se abriram como o Mar Vermelho para me deixar passar.

domingo, 6 de julho de 2008

Dorian Gray

"Cada um de nós traz consigo a chave do inferno"

sexta-feira, 20 de junho de 2008

Dança com Lobos.

Sonhei com você e não consigo fazer outra coisa. Não consigo trabalhar até contar que vi teu corpo ser estraçalhado por lobos. Violência em caninos brancos. Pelos negros como a noite que raptou minha sanidade. Espero que você não esteja no inferno. Espero que você esteja num lugar tão alto que meus sonhos crivados de remorso não conseguem te alcançar.

quinta-feira, 12 de junho de 2008

Dilema

Pela peste, pela cegueira,

pela náusea e pelo retrato.

Perdão por quando parto,

seguindo letras em fileira.


Foram noites com Oscar,

com Sartre e Saramago.

Até um tal de mago,

foi capaz de me ofuscar.


Desculpo-me sem rodeios,

Camus entenderia.

No amor, na poesia,

o fim justifica os meios.


Porque grito num poema,

se você estiver fria.

nem Shakespeare descreveria

a dor do meu dilema.


sábado, 31 de maio de 2008

A Ficha

Ontem quando avistei um mendigo na calçada, diminui o ritmo da caminhada, coloquei a mão no bolso e procurei algumas moedas. Não tinha nenhum centavo. Fui obrigado a seguir em frente. Em poucos passos tomei uma decisão: se não tinha dinheiro para dar, daria o pouco que ainda me pertence, meu próprio sangue.

Hoje levei minhas artérias pra passear no Instituto de Hematologia. Não pude ajudar o mendigo de ontem, mas pelo menos meio litro do meu sangue vai parar em algum hospital municipal. Espero que o Estado faça bom uso dele. Mas antes da espetada veio um questionário mais afiado que as próprias agulhas da colheita. Na ficha me perguntaram, entre outras coisas, se alguma vez já tinha utilizado cocaína, se já tinha praticado sexo por dinheiro e se possuía alguma tatuagem. Estive a ponto de perguntar se estava me candidatando a doador de sangue ou a Madre Teresa de Calcutá. Fiz um esforço e engoli meu sarcasmo (espero que não apareça no hemograma). A ficha é longa e sigilosa e não vai ser postada aqui neste blog, mas é evidente que não gabaritei.

Deixei meus glóbulos vermelhos sendo acalantados dentro de uma bolsa plástica. Uma espécie de braço robótico parecia brincar de gangorra com eles. Imaginei aquele dispositivo preparando uns drinques. Ia ser um sucesso nos bares. Bloody Marys para o povo.

segunda-feira, 12 de maio de 2008

Brinde

Só se fala em aquecimento global.

Eu...

Eu tenho sentido tanto frio.

Gelo boiando num mar de anis.

Azul como o sangue que não possuo.

Neblina como leite branco, cataratas dos cegos.

Tão justa. Se não vejo, que ninguém me veja.

Sugando o veneno.

Estou com a boca cheia.

Estou mirando no seu whisky.

Minha tosse pode ser muito inconveniente.

Não me faça rir agora.

Meu dia mais triste foi uma noite.

Tosse convulsa é para impulsivos.

Gelo boiando num 12 anos.

Gelo boiando num mar de sangue.

Travo o diafragma, engulo o refluxo.

Hoje é um dia especial.

Vamos brindar.

Feliz dia das mães.

quinta-feira, 8 de maio de 2008

Zona do Crime (o filme)

Ontem, enquanto assistia Zona do Crime no cinema, o time do Flamengo ia sendo eliminado da Libertadores pelo América do México. No caminho de casa passei por vários bares e presenciei insultos e hostilidades dirigidos aos mexicanos. Minha vontade foi parar na frente dos botecos e derramar “vocês não sabem como somos parecidos com eles”.

Se os personagens da fita falassem português, a maioria do público afirmaria que a produção foi rodada no Rio de Janeiro.

E lá vai Rodrigo Plá dirigir (com maestria) mais um filme de critica social. Lembro-me que aos 17 anos, preocupado com o alistamento, perguntei para um amigo mais velho como era a vida no serviço militar. Ele resumiu: “os malandros ficam mais malandros, e os otários mais otários”. Hoje mais velho me pergunto se diante de um filme desses os sensíveis ficam mais sensíveis e os indiferentes mais indiferentes (ou filhas da puta mesmo).

Não quero ser um spoiler, mas tem um personagem que se apresenta como herói, mas frustrado, não consegue manter a retidão. Por outro lado tem um personagem que tem tudo para seguir o caminho errado em função do exemplo paterno, no entanto acaba tendo uma das poucas atitudes dignas do filme.

A roteirista conseguiu mudar a cabeça de um personagem que ela mesma criou, mas será que consegue mudar também a cabeça do espectador insensível?

Só pra lembrar: vivemos num país que votou contra o desarmamento.

terça-feira, 6 de maio de 2008

A Ordem

Quadrados sobem, quadrados descem. Placas tectônicas a criarem montanhas. De plástico, de mentira. Se afundar as peças na ordem certa palavras surgirão. Do teclado até o monitor são milhares de circuitos, é melhor não se perder. Se as palavras estiverem na ordem certa tocarão seu coração. Eu já toquei seu coração? Você já se tocou?

Pensando em mim.

segunda-feira, 28 de abril de 2008

Romanos

A dor aguda na palma das mãos, a dor insuportável que subia pelas pernas, o peso do corpo vencendo o próprio corpo; tudo fechava um círculo perfeito de agonia. Homem vitruviano, proporção da dor. O círculo se completava, eclipse da esperança, não há como escapar. Tendões esticados, súplicas lançadas. É mais do que um ser humano pode suportar. Saber que morria crucificado defendendo a Judéia de seus invasores não deveria ser mais reconfortante? Olhou para o céu e notou que o vento empurrara as poucas nuvens da manhã. O dia teria uma linda tarde de céu claro. O azul que breve banharia generoso os vivos, os rios e as colinas, não lhe pertencia mais. Sequer uma breve chuva foi enviada para chorar seu corpo. Rezar para Deus realmente existir era o último que as retorcidas forças do seu corpo conseguiam implorar. Rezar para acordar logo no paraíso. Rezar para que aquele corvo pousado à direita da cruz bicasse seus olhos apenas após a sua morte.

As garras fincaram-se firme sobre seu ombro. Sentiu-as com nitidez. Sentiu-as com a nitidez de quem ainda esta vivo. Pensava em preparar-se mentalmente. A punhalada veio antes. As finas pálpebras fechadas não foram obstáculo. Beliscar um pedaço, levantar a cabeça, sacudir para retirar o excesso e deixar o alimento gelatinoso escorrer pela garganta. O corvo realizou seus serviços de forma metódica e mecânica. Por que desperdiçaria um banquete daqueles?

Com o sangue escorrendo pelas mãos, pelos pés, e agora também pelo rosto, morreu mais um guerrilheiro judeu que ousou enfrentar o império romano. Pregado numa infinita coleção de borboletas, era apenas mais um. O sangue e o suor escorreram pela madeira, o vento se encarregou de lambê-los e secar tudo. Serviço completo. Serviço encerrado.

terça-feira, 22 de abril de 2008

JUÍZO (filme de Maria Augusta Ramos)

É verdade que na categoria “filme-sôco-na-boca-do-estômago” ele não chega ao patamar de Baixio das Bestas (um dos melhores filmes que assisti ultimamente). Mas ele entra definitivamente na categoria “filme que executivos que tomam cappuccino na avenida paulista orgulhando-se do PIB nacional deveriam ser obrigados a assistir” (tipo Laranja Mecânica mesmo). Há quem diga também que ouvir as sentenças diretamente na voz aguda da juíza Luciana Fiala já seja castigo suficiente. Mas o interessante é que mesmo sem mostrar cenas de estupro infanto-juvenil, abdicando de trilhas sonoras emotivas e ignorando uma fotografia que poderia ser tocante o filme cumpre seu objetivo com perfeição. Quem não perceber que 99% dos jovens infratores são exatamente iguais: pretos, pobres e sub-nutridos merece sucumbir no juízo final.

domingo, 13 de abril de 2008

Paris em 10''


A Monalisa é uma Postal,

Jacques David é o cara.

O metro é sujo,

o Siena límpido.

Notre Dame é média,

a Torre Eiffel gigante.

O Egito foi saqueado,

há provas no Arco.

O Louvre é um mundo.

Van Gogh o universo.


quarta-feira, 9 de abril de 2008

Asfalto

O asfalto, de perto, partido.

Poros abertos, amargos, ásperos.

Língua de gato. Negro. Desespero.

Diáspora de mitocôndrias, micróbios.

Insetos famintos, o catarro alimenta.

Generoso, verde, farto.

Molhe os lábios. Engula seco. Laringe arranhada.

Abra os brônquios, feche os olhos. Escute.

Motores giram, gritam, gargantas berram, aceleram!

Todos erram...

Mitocôndrias, micro-ônibus, bactérias, artérias, vielas.

Tudo pro ralo. A chuva chega. Carrega. Lava, leva.

Esmola & Literatura


Mendigo lendo nas calçadas de Paris.

Anjos, Sapos e Gaivotas

Lanças no meu sonho. Sono precário. Crianças espetam um rato morto. Agulhas de tricô na carne branda. Na minha carne, o despertador executa sua função com precisão cirúrgica. Venceu. Estou acordado. Todo o vazio da existência invade meus pulmões. Quero correr, quero voltar para o nada. Nada feito. O oxigênio traz consigo a vida. Vida que não pedi.

No espelho um rosto. No rosto um par de olhos. Nos olhos negros uma passagem. Só de ida para o nada.

Perdi vinte minutos me olhando. Perdi o metrô. Meu dia vai ser diferente? Não, já vejo a luz do próximo. Vidas sem sentido, sentido Zona Norte.

A escada rolante tem dentes. Sua lateral, arranhões. Papel picado sob os pés. Degrau por degrau o destino é inevitável. Um a um são engolidos no final. Eu não. Sou cuspido para fora. Metrô Rio informa: mais uma alma nua foi parida. A luz grita sobre mim. Quero correr, quero voltar. Já é tarde. Nunca subestime o sol do Rio de Janeiro.

Vi homens engravatados carregando uma cruz. Pisquei. Sumiram. Foi apenas impressão. A igreja da Candelária é testemunha ocular. Nunca Deus passou por aqui.

Não importa o sol. O céu é sempre cinza. Navios gigantes cruzam a Avenida Rio Branco. Lentos, ácidos, tristes. O chão se abre, engole tudo. Humanos gritam, todos correm. Dos céus vem o anúncio: Dos seus não vai sobrar nenhum! Sete anjos mergulham como gaivotas. Chuva de canivetes. Pisquei. Sumiram. Foi apenas impressão.

O sinal abriu. É melhor atravessar. Queria escrever algo poético, mas pelo amor de Deus, quanta gente feia.

Posso contar meus passos. Posso contar o que vejo. Posso contar papeis no chão, catarros, sangue humano. Posso contar cabeças que corto, com minha katana. Certeira, linda, prata, imaginária.

Passo impune pela multidão. Ninguém tocou minha pele. Alívio.

A serpente furou meu pescoço. Seus finos dentes grampearam meu cartão de ponto. Ponto para o Rei Sapo. Mais um dia me apresento. Vim pagar tributo. As engrenagens estão secas, sedentas. Suas peças enferrujadas sorriem ao me ver. Mostro meus braços, ofereço minhas artérias. Bebem. Bebam. Podem ter meu corpo, jamais minha alma.

Alma?

No reflexo do monitor um rosto. No rosto um par de olhos. Nos olhos negros uma passagem. Só de ida para o nada.