sábado, 31 de maio de 2008

A Ficha

Ontem quando avistei um mendigo na calçada, diminui o ritmo da caminhada, coloquei a mão no bolso e procurei algumas moedas. Não tinha nenhum centavo. Fui obrigado a seguir em frente. Em poucos passos tomei uma decisão: se não tinha dinheiro para dar, daria o pouco que ainda me pertence, meu próprio sangue.

Hoje levei minhas artérias pra passear no Instituto de Hematologia. Não pude ajudar o mendigo de ontem, mas pelo menos meio litro do meu sangue vai parar em algum hospital municipal. Espero que o Estado faça bom uso dele. Mas antes da espetada veio um questionário mais afiado que as próprias agulhas da colheita. Na ficha me perguntaram, entre outras coisas, se alguma vez já tinha utilizado cocaína, se já tinha praticado sexo por dinheiro e se possuía alguma tatuagem. Estive a ponto de perguntar se estava me candidatando a doador de sangue ou a Madre Teresa de Calcutá. Fiz um esforço e engoli meu sarcasmo (espero que não apareça no hemograma). A ficha é longa e sigilosa e não vai ser postada aqui neste blog, mas é evidente que não gabaritei.

Deixei meus glóbulos vermelhos sendo acalantados dentro de uma bolsa plástica. Uma espécie de braço robótico parecia brincar de gangorra com eles. Imaginei aquele dispositivo preparando uns drinques. Ia ser um sucesso nos bares. Bloody Marys para o povo.

segunda-feira, 12 de maio de 2008

Brinde

Só se fala em aquecimento global.

Eu...

Eu tenho sentido tanto frio.

Gelo boiando num mar de anis.

Azul como o sangue que não possuo.

Neblina como leite branco, cataratas dos cegos.

Tão justa. Se não vejo, que ninguém me veja.

Sugando o veneno.

Estou com a boca cheia.

Estou mirando no seu whisky.

Minha tosse pode ser muito inconveniente.

Não me faça rir agora.

Meu dia mais triste foi uma noite.

Tosse convulsa é para impulsivos.

Gelo boiando num 12 anos.

Gelo boiando num mar de sangue.

Travo o diafragma, engulo o refluxo.

Hoje é um dia especial.

Vamos brindar.

Feliz dia das mães.

quinta-feira, 8 de maio de 2008

Zona do Crime (o filme)

Ontem, enquanto assistia Zona do Crime no cinema, o time do Flamengo ia sendo eliminado da Libertadores pelo América do México. No caminho de casa passei por vários bares e presenciei insultos e hostilidades dirigidos aos mexicanos. Minha vontade foi parar na frente dos botecos e derramar “vocês não sabem como somos parecidos com eles”.

Se os personagens da fita falassem português, a maioria do público afirmaria que a produção foi rodada no Rio de Janeiro.

E lá vai Rodrigo Plá dirigir (com maestria) mais um filme de critica social. Lembro-me que aos 17 anos, preocupado com o alistamento, perguntei para um amigo mais velho como era a vida no serviço militar. Ele resumiu: “os malandros ficam mais malandros, e os otários mais otários”. Hoje mais velho me pergunto se diante de um filme desses os sensíveis ficam mais sensíveis e os indiferentes mais indiferentes (ou filhas da puta mesmo).

Não quero ser um spoiler, mas tem um personagem que se apresenta como herói, mas frustrado, não consegue manter a retidão. Por outro lado tem um personagem que tem tudo para seguir o caminho errado em função do exemplo paterno, no entanto acaba tendo uma das poucas atitudes dignas do filme.

A roteirista conseguiu mudar a cabeça de um personagem que ela mesma criou, mas será que consegue mudar também a cabeça do espectador insensível?

Só pra lembrar: vivemos num país que votou contra o desarmamento.

terça-feira, 6 de maio de 2008

A Ordem

Quadrados sobem, quadrados descem. Placas tectônicas a criarem montanhas. De plástico, de mentira. Se afundar as peças na ordem certa palavras surgirão. Do teclado até o monitor são milhares de circuitos, é melhor não se perder. Se as palavras estiverem na ordem certa tocarão seu coração. Eu já toquei seu coração? Você já se tocou?

Pensando em mim.