Ontem quando avistei um mendigo na calçada, diminui o ritmo da caminhada, coloquei a mão no bolso e procurei algumas moedas. Não tinha nenhum centavo. Fui obrigado a seguir em frente. Em poucos passos tomei uma decisão: se não tinha dinheiro para dar, daria o pouco que ainda me pertence, meu próprio sangue.
Hoje levei minhas artérias pra passear no Instituto de Hematologia. Não pude ajudar o mendigo de ontem, mas pelo menos meio litro do meu sangue vai parar em algum hospital municipal. Espero que o Estado faça bom uso dele. Mas antes da espetada veio um questionário mais afiado que as próprias agulhas da colheita. Na ficha me perguntaram, entre outras coisas, se alguma vez já tinha utilizado cocaína, se já tinha praticado sexo por dinheiro e se possuía alguma tatuagem. Estive a ponto de perguntar se estava me candidatando a doador de sangue ou a Madre Teresa de Calcutá. Fiz um esforço e engoli meu sarcasmo (espero que não apareça no hemograma). A ficha é longa e sigilosa e não vai ser postada aqui neste blog, mas é evidente que não gabaritei.
Deixei meus glóbulos vermelhos sendo acalantados dentro de uma bolsa plástica. Uma espécie de braço robótico parecia brincar de gangorra com eles. Imaginei aquele dispositivo preparando uns drinques. Ia ser um sucesso nos bares. Bloody Marys para o povo.
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