Lanças no meu sonho. Sono precário. Crianças espetam um rato morto. Agulhas de tricô na carne branda. Na minha carne, o despertador executa sua função com precisão cirúrgica. Venceu. Estou acordado. Todo o vazio da existência invade meus pulmões. Quero correr, quero voltar para o nada. Nada feito. O oxigênio traz consigo a vida. Vida que não pedi.
No espelho um rosto. No rosto um par de olhos. Nos olhos negros uma passagem. Só de ida para o nada.
Perdi vinte minutos me olhando. Perdi o metrô. Meu dia vai ser diferente? Não, já vejo a luz do próximo. Vidas sem sentido, sentido Zona Norte.
A escada rolante tem dentes. Sua lateral, arranhões. Papel picado sob os pés. Degrau por degrau o destino é inevitável. Um a um são engolidos no final. Eu não. Sou cuspido para fora. Metrô Rio informa: mais uma alma nua foi parida. A luz grita sobre mim. Quero correr, quero voltar. Já é tarde. Nunca subestime o sol do Rio de Janeiro.
Vi homens engravatados carregando uma cruz. Pisquei. Sumiram. Foi apenas impressão. A igreja da Candelária é testemunha ocular. Nunca Deus passou por aqui.
Não importa o sol. O céu é sempre cinza. Navios gigantes cruzam a Avenida Rio Branco. Lentos, ácidos, tristes. O chão se abre, engole tudo. Humanos gritam, todos correm. Dos céus vem o anúncio: Dos seus não vai sobrar nenhum! Sete anjos mergulham como gaivotas. Chuva de canivetes. Pisquei. Sumiram. Foi apenas impressão.
O sinal abriu. É melhor atravessar. Queria escrever algo poético, mas pelo amor de Deus, quanta gente feia.
Posso contar meus passos. Posso contar o que vejo. Posso contar papeis no chão, catarros, sangue humano. Posso contar cabeças que corto, com minha katana. Certeira, linda, prata, imaginária.
Passo impune pela multidão. Ninguém tocou minha pele. Alívio.
A serpente furou meu pescoço. Seus finos dentes grampearam meu cartão de ponto. Ponto para o Rei Sapo. Mais um dia me apresento. Vim pagar tributo. As engrenagens estão secas, sedentas. Suas peças enferrujadas sorriem ao me ver. Mostro meus braços, ofereço minhas artérias. Bebem. Bebam. Podem ter meu corpo, jamais minha alma.
Alma?
2 comentários:
"O sinal abriu. É melhor atravessar. Queria escrever algo poético, mas pelo amor de Deus, quanta gente feia".
Feeling total de centro da cidade mesmo! Impressionante!
"No espelho um rosto. No rosto um par de olhos. Nos olhos negros uma passagem. Só de ida para o nada".
Se eu parar para refletir muito sobre isso, eu me tranco em casa e só saio em 2010... E vou ficar torcendo para chover até lá... Para o sol ficar sempre, sempre, sempre cinza!
Beijos,
Carolina!
Tento ser mais tolerante com a falta de estetica alheia. Mas nessa manha, como vc deve ter notado, nao estava num bom dia.
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