A dor aguda na palma das mãos, a dor insuportável que subia pelas pernas, o peso do corpo vencendo o próprio corpo; tudo fechava um círculo perfeito de agonia. Homem vitruviano, proporção da dor. O círculo se completava, eclipse da esperança, não há como escapar. Tendões esticados, súplicas lançadas. É mais do que um ser humano pode suportar. Saber que morria crucificado defendendo a Judéia de seus invasores não deveria ser mais reconfortante? Olhou para o céu e notou que o vento empurrara as poucas nuvens da manhã. O dia teria uma linda tarde de céu claro. O azul que breve banharia generoso os vivos, os rios e as colinas, não lhe pertencia mais. Sequer uma breve chuva foi enviada para chorar seu corpo. Rezar para Deus realmente existir era o último que as retorcidas forças do seu corpo conseguiam implorar. Rezar para acordar logo no paraíso. Rezar para que aquele corvo pousado à direita da cruz bicasse seus olhos apenas após a sua morte.
As garras fincaram-se firme sobre seu ombro. Sentiu-as com nitidez. Sentiu-as com a nitidez de quem ainda esta vivo. Pensava em preparar-se mentalmente. A punhalada veio antes. As finas pálpebras fechadas não foram obstáculo. Beliscar um pedaço, levantar a cabeça, sacudir para retirar o excesso e deixar o alimento gelatinoso escorrer pela garganta. O corvo realizou seus serviços de forma metódica e mecânica. Por que desperdiçaria um banquete daqueles?
Com o sangue escorrendo pelas mãos, pelos pés, e agora também pelo rosto, morreu mais um guerrilheiro judeu que ousou enfrentar o império romano. Pregado numa infinita coleção de borboletas, era apenas mais um. O sangue e o suor escorreram pela madeira, o vento se encarregou de lambê-los e secar tudo. Serviço completo. Serviço encerrado.